sexta-feira, 23 de abril de 2010

Nacionalismo


"O Brasil já tem uma forma geográfica de um coração. Todo brasileiro tem esse coração. A música vai de uma alma a outra, os pássaros conversam pela música, eles têm coração. Tudo que se sente na vida, se sente no coração. O coração é o metrônomo da vida e há muita gente na humanidade que se esquece disso. Justamente, o que mais precisa a humanidade é de um metrônomo. Se houvesse alguém no mundo que pudesse colocar um metrônomo no cimo da terra, talvez estivéssemos mais próximos da paz. Porque se desentendem, vivem descompassados raças e povos, porque não se lembram do metrônomo que guardam no peito: o coração. Foi fadado por Deus, justamente no Brasil, possuir uma forma geométrica de coração e haver um ritmo palpitante em toda sua raça, sobretudo no nordeste, esse sentido de ritmo de coração, essa unidade de movimento, esse metrônomo tão sensível.

Meus amigos, foi com esse pensamento que eu me tornei músico. Foi por isso que eu me tornei um escravo profundo e eterno da vida do Brasil, das coisas do Brasil. E, como não tenho o dom da palavra, nem da pena, mas tive o dom do som e do ritmo, transponho em sons e ritmos essa loucura de amor por uma pátria. Eis a minha apresentação. Eis o que é, em princípio, a justificação do que eu tenho feito pelo Brasil, até a idade que tenho hoje.

Peço perdão a todos de ter que falar um pouco da minha vida em relação a esse Brasil, mas é necessário que possa, talvez, servir de exemplo aos jovens de seguir essa mesma trilha, esse mesmo destino que Deus me deu. Nunca na minha vida procurei a cultura, a erudição, o saber e mesmo a sabedoria nos livros, nas doutrinas, nas teorias, nas formas ortodoxas. Nunca! Porque o meu livro era o Brasil. Não o mapa do Brasil na minha frente, mas a terra do Brasil onde eu piso, onde eu sinto, onde eu ando, onde eu percorro.

Cada homem que eu encontro no Brasil representa uma forma estética na concepção musical. Cada pássaro que acode ao meu ouvido é um tema aonde se junta a outros temas invisíveis, imperceptíveis e abstratos para tornar em forma física em forma sonora, em forma de música, música de arte, arte livre como a nossa natureza, árvore independente como são os pássaros do Brasil, árvore sentimental como são os homens da nossa terra.


A minha música é o reflexo da sinceridade. No princípio sofri, natural, com a revolta daqueles que se agarravam à tradição, daqueles que não se encontravam a si próprios, daqueles que nunca se miraram no espelho da sua própria consciência procurando a fisionomia da sua própria raça.


O Brasil levou muito tempo, meus amigos, muitos anos a imitar, a macaquear a papaguear. Mas graças a Deus procurou um espelho, ou encontrou por acaso o reflexo da realidade de uma grande raça, de uma grande nação. E verificou que nunca poderiam ser eles mesmos se não fizessem à sua maneira, não imitando ninguém. Isso foi feito em coisas banais da vida, na moda, no sistema de sentir literariamente. Vejam os poetas, os parnasianos, veja os poetas modernos, veja na pintura antiga e na pintura de hoje. Veja na escultura e, finalmente, nesta arte que aparece no Brasil tão pessoal, como nenhuma, a escultura. Vejam, encontraram-se. O Brasil se encontra.


Infelizmente, a população é pequena pela grandeza da sua terra, mas ele se encontra. E tudo isso está tão de acordo com a penitência da minha vida."

(Heitor Villa-Lobos em discurso, João Pessoa, 1951)

Um comentário: