sábado, 24 de abril de 2010

Nacionalismo II


"Eu estou tão contente, cada vez mais, de ser brasileiro. A minha justificação não tem um sentido cívico, não, não creio. É apenas de um artista sincero que, com este exemplo de realização e da felicidade, e da vitória de sua carreira artística, grita ao nosso grande povo que, quanto mais se for brasileiro, com este coração, com esta alma, com esta vibração, mais concorrem para serem úteis no conceito das grandes nações, das grandes civilizações.


Estou satisfeito porque, já bem aproximando o fim da minha vida, eu sinto perfeitamente que o Brasil encontrou o seu caminho. Que importa os problemas políticos, os problemas sociais, os problemas econômicos? O Brasil se encontra! Eu fui pela música e se por acaso o meu exemplo possa servir a alguma coisa, a todos os meus patrícios, façam o mesmo. Sejam livres. Lembrem-se do coração, lembrem-se que este é que é o metrônomo da realidade. Com ele terão a razão econômica de tudo das coisas, terão a medida exata da realidade da própria vida.

Lembrem-se de que é a arte que vem d'um coração para um coração de uma alma para outra alma. E a música é a primeira arte que conduz às outras artes. Eu não digo isto porque sou músico, não, mas ela tem um poder positivo, digamos, um poder biológico. Ela é uma terapêutica para a alma doente. A música é um consolo para o sofredor, a música é um embalo para o pequenino no colo de suas mães, de seus pais. A música é o alento do desventurado, a música é a alegria daqueles que são alegres!

A religião. Qual das religiões existe sobre a terra e que não usou da música como elemento de atração aos seus crentes? Essa música que Santo Ambrósio utilizou-se para formar os cânticos litúrgicos definidos. É com essa música, senhores, que nós precisamos compreender que o Brasil vive e que ninguém percebe. Ninguém percebe que um país mais musical que existe sobre a terra deixa passar vagamente, indiferentemente, essa música tão pura, essa música da alma, música do coração. Que importa que haja duas espécies de música? A música da manifestação espontânea - a música popular, e a música da alma elevada, da alma intelectual - a música da arte.

O folklore é o intermediário desses dois elementos. É a ciência da pesquisa, é o traço de união em que se utiliza o criador para, tirando do povo essa música, essa arte espontânea, ele burila no seu coração e na sua alma e traz outra vez para o povo. Mas esse povo, geralmente é injusto, não procura compreender o esforço do criador. Devem comprender, devem ser educados, civilizados, para compreender o mistério, o pensamento abstrato de um criador no terreno de arte. E a música tem um poder incrível de atuar sobre o temperamento, sobre o instinto, sobre tudo no espírito humano.

E é essa música que pode deleitar o culto ao iniciado da música, que é a música artísitca. Essa música que dá um prazer estranho, um prazer exótico, pitoresco, àquele que gosta da música popular, áquele que gosta de sentir. Esse é com aquela canção, este ou aquele ritmo de dança e que para embora mesmo no século XX já usem a música, já colaborem com a música. Porque há casos interessantes, enquanto estão tocando a música, estão falando. São colaboradores. Há pessoas que pensam que quanto mais a música toca forte, mais a gente fala alto. Isso é comum, mas é um instinto inofensivo de colaborar com a música. Não acredito que quem seja educado faça isso com a arte, não, porque a melhor colaboração que se pode fazer com a arte é silêncio, é atenção, é recollhimento, é meditação, é apreensão, é emoção.
Satisfeito estou de ter aceito do senhor ministro da educação essa misaão. E, satisfeito estou, de distinguir com todo prazer e toda honra esses cinco estados do Brasil. Apenas porque creio que os outros, as outras missões, irão outros meus assistentes. Porque eu talvez não só não disponha de tempo, como me sinta um pouco cansado para fazer a volta no Brasil como já fiz há quarenta anos atrás. Em todo caso, a honra de chegar a esta terra pequena, mas extraordinária me é grande! Há muito tempo que eu tinha vontade de ter contato com o povo, para viver a satisfação e a alegria deste momento, em verificar que é uma terra que sente a música, que vibra a música e que tem compreensão da música. Ajudai pois, meu amigos, ajudai ao seu ilustre governador que sei das intenções formidáveis que ele tem no sentido do aproveitamento música, dentro do progresso de um grande estado."

(continuação do discurso de Heitor Villa-Lobos, João Pessoa, 1951)

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